Nove aldeias yanomami contaminadas por mercúrio

06/04/2024
Os pesquisadores constataram o mercúrio em amostras de cabelo de aproximadamente 300 indígenas, de crianças a idosos

O estudo ‘Impacto do mercúrio em áreas protegidas e povos da floresta na Amazônia : uma abordagem integrada saúde-ambiente’, conduzido pela Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (Ensp/Fiocruz), em parceria com a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) e apoio do Instituto Socioambiental (ISA) mostrou que todos os indígenas do povo Yanomami, do subgrupo Ninam, de nove aldeias localizadas em Roraima, estão contaminados por mercúrio. Os maiores níveis de exposição foram detectados em indígenas que vivem nas aldeias localizadas mais próximas aos garimpos ilegais de ouro. Os pesquisadores constataram o mercúrio em amostras de cabelo de aproximadamente 300 indígenas, de crianças a idosos. “Esse cenário de vulnerabilidade aumenta exponencialmente o risco de adoecimento das crianças que vivem na região e, potencialmente, pode favorecer o surgimento de manifestações clínicas mais severas relacionadas à exposição crônica ao mercúrio, principalmente nos menores de cinco anos”, explica o coordenador do estudo, Paulo Basta, médico e pesquisador da Ensp/Fiocruz.

O estudo coletou as amostras na região do Alto Rio Mucajaí, em outubro de 2022, local onde o garimpo ilegal ocorre há décadas e tem causado destruição ambiental, insegurança, violência e danos à saúde dos indígenas. “O garimpo é o maior mal que temos hoje na Terra Yanomami. É necessário e urgente a desintrusão, a saída desses invasores. Se o garimpo permanece, permanece também a contaminação, devastação, doenças como malária e desnutrição e isso é o resultado dessa pesquisa, é a prova concreta!”, enfatiza o vice-presidente da Hutukara Associação Yanomami (HAY), Dário Vitório Kopenawa. Das 287 amostras de cabelo, 84% apresentaram níveis de contaminação de mercúrio superior a 2,0 µg/g, enquanto 10,8% ficaram acima de 6,0 µg/g, índice considerado alto, que requer atenção especial e investigação complementar.

Os casos foram notificados ao Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) com o objetivo de produzir dados oficiais sobre os problemas da região. Os pesquisadores comentam que os indígenas com altos índices de mercúrio no organismo registraram déficits cognitivos e danos em nervos nas extremidades, como mãos, braços, pés e pernas, com mais frequência. A Organização Mundial da Saúde (OMS) alerta que níveis acima de 6 microgramas de mercúrio por grama de cabelo (μg.g-1 ) podem trazer sérias consequências à saúde, principalmente a grupos vulneráveis. Assim, não há limite seguro para exposição ao Hg.

A pesquisa também realizou exames clínicos para identificar doenças crônicas não transmissíveis, como transtornos nutricionais, anemia, diabetes e hipertensão, além de estimar a prevalência de doenças infecciosas e parasitárias, incluindo malária e infecções sexualmente transmissíveis (IST) como HIV/AIDS, Sífilis, e Hepatites B e C. Ficou constatado que indígenas com níveis de contaminação de mercúrio superior a 2,0 µg/g tem pressão arterial mais alta e que mais de 80% já tiveram malária pelo menos uma vez na vida, com uma média de três episódios da doença por indivíduo. Em 11,7% dos indivíduos testados, foi possível identificar casos de malária vivax e falciparum sem manifestações clínicas evidentes, características comuns em áreas de alta transmissão da doença.

Cerca de 25% das crianças menores de 11 anos apresentaram anemia e quase metade tem desnutrição aguda, além de 80% ter déficit de estatura para a idade, o que, de acordo com a OMS, sugere um quadro de desnutrição crônica. O estudo mostrou ainda que só 15,5% tem o esquema vacinal em dia. Os pesquisadores analisaram também 47 amostras de peixes, 14 de água e sedimentos do rio Mucajaí e afluentes e todas as espécies de peixes apresentaram algum grau de contaminação por mercúrio. A análise do risco atribuível ao consumo de pescado revelou que a ingestão diária de mercúrio excede em três vezes a dose de referência preconizada pela Agência de Proteção Ambiental do governo estadunidense (U.S.EPA). As amostras de água não registraram contaminação do metal, mas duas amostras de sedimentos apresentaram níveis de mercúrio acima do nível 1 da resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) que trata do tema. “Não é a primeira vez que a Fiocruz faz uma pesquisa na Terra Yanomami e que comprova que os nossos parentes estão contaminados pelo mercúrio. Isso é muito grave! As nossas crianças estão nascendo doentes. As mulheres estão doentes, os nossos velhos estão doentes! O nosso povo está morrendo por causa do garimpo”, analisa Dário Kopenawa.

O estudo aponta que deve acontecer uma atualização da Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas (PNASPI) em que seja assegurada a presença regular de profissionais de saúde e investimentos na formação continuada de agentes indígenas de saúde. Além disso, os pesquisadores apontam a necessidade de ações específicas para as populações, como rastreamento de indígenas expostos ao mercúrio, diagnóstico laboratorial tempestivo com a finalidade de avaliar pessoas com quadros de possível intoxicação por mercúrio já instalados, elaboração de protocolos e rotinas apropriadas para diagnóstico e tratamento de pacientes com quadro de intoxicação por mercúrio estabelecido e criação de um centro de referência para acompanhamento de casos crônicos e/ou com sequelas reconhecidas. O estudo completo pode ser acessado pelo link https://acervo.socioambiental.org/sites/default/files/documents/yal00080_0.pdf.