Como as cidades brasileiras estão enfrentando e agindo?

22/05/2021

Por Andreia Banhe* e Hannah Corina **

A ampla área territorial do Brasil faz com que o país seja considerado "de dimensões continentais", cuja extensão é a quinta maior do planeta, atrás somente de Rússia, Canadá, Estados Unidos e China. Não apenas a amplitude de sua área, mas também a sua localização proporciona vantagens naturais como fontes de água doce e potável equivalentes a 12% do volume disponível mundialmente”. 

Apesar dessa vantagem natural, a disponibilidade regional da água apresenta significativo desequilíbrio. Com a região norte do país concentrando 68,5% desse recurso, a região Nordeste conta com apenas 3,3%. 

Esse cenário tem estimulado debates e discussões a respeito da distribuição e do acesso à água, considerando também os possíveis impactos da crise climática na disponibilidade futura desse recurso natural também em regiões que atualmente não apresentam essa deficiência. Com a pandemia do novo Coronavírus (COVID 19), temos visto a importância e necessidade do acesso a água para a higienização, uma barreira essencial para a disseminação do vírus. 

Nesse contexto, confere o papel dos governos subnacionais no estabelecimento de políticas públicas que visam a resiliência de uma cidade. Geração de conhecimentos e ideias compartilhadas podem criar uma rede colaborativa de cidades rumo aos interesses nacionais de soberania hídrica.

Para entender como as cidades da região estão agindo no enfrentamento da questão hídrica, foram analisadas respostas de 293 cidades latino-americanas ao questionário de 2020 de cidades, através da Plataforma Unificada CDP-ICLEI. Dentro deste grupo, 92 são cidades brasileiras. 

Perigos climáticos

Segundo os dados, foram identificados 1.153 perigos climáticos que impactam a América Latina. De 36 tipos de riscos, os que mais preocupam são: secas (13%), tempestades (13%) e ondas de calor (8%). Esses riscos são identificados pelos municípios para identificação dos gargalos de uma resiliência climática. 

Um exemplo é o caso da cidade de Avellaneda, Argentina, em que está ocorrendo uma maior migração do campo para a cidade, devido à instabilidade no período de chuvas, com secas mais intensas que afetam a condição socioeconômica de famílias rurais com pequenas produções. Em Quepos, na Costa Rica, perdas foram reportadas nos principais setores da cidade, como agropecuária, serviços e turismo, sendo o último afetado pela redução na oferta e qualidade de água, perda de biodiversidade e incremento na taxa de incêndios. 

O recorte dos dados das cidades brasileiras participantes indica 307 perigos de 26 tipos de riscos. A análise dos dados referentes ao Brasil indica riscos semelhantes aos da América Latina em geral, sendo os mais reportados secas (13%) e tempestades (13%), mas se diferenciam da região com a inclusão do risco de enchentes (8%), doenças causadas por vetores biológicos (7%) e deslizamentos de terra (7%).  Para Tangará da Serra, no Mato Grosso, a escassez de água afeta produtores que dependem da bacia do Queima-Pé para a produção agrícola e pecuária, diminuindo a oferta de alimentos e ocasionando aumento nos preços para o consumidor final. 

Após levantamento dos riscos, as cidades da região divulgam suas ações para mitigar essas vulnerabilidades. Foram reportadas 977, destacando-se criação de novos espaços verdes (11%), eficiência no uso da água (10%) e engajamento da sociedade e campanhas de conscientização (9%). Para o Brasil, as mais de 244 ações relacionadas ao clima abrangem o mapeamento de áreas sujeitas a enchentes e inundações (12%) e criação de áreas verdes e plantio de árvores (11%). 

Essas ações reportadas podem ser ilustradas como em Cañas, na Costa Risca, em que o projeto "Cañas Respira" tem a ambição de reflorestar a região com o plantio de 10 mil árvores em um período de 4 anos, com a finalidade de minimizar os efeitos das mudanças climáticas e conscientizar a sociedade. Até 2020 já foram plantadas 3 mil árvores. No Brasil, o município de Extrema, em Minas Gerais, por meio do Projeto Conservador das Águas, realizou o plantio de mais de 1.000.000 de árvores nativas em seu território, o que contribui diretamente na manutenção do ciclo hidrológico, com o aumento da permeabilidade do solo e redução do escoamento superficial. 

Perigos e ações relacionados à segurança hídrica

No módulo "Segurança Hídrica", presente na plataforma de reporte de cidades, 87% das cidades brasileiras responderam (80), corroborando com a importância e relevância do tema para os municípios. 

62 cidades reportaram que enfrentam mais de 160 riscos relacionados à segurança hídrica, sendo os mais reportados:  aumento no estresse hídrico (22%), queda na qualidade da água (16%) e infraestrutura hídrica inadequada ou ultrapassada (13%). 

Para mitigar esses riscos, estão sendo realizadas 126 ações, como educação ambiental e conscientização sobre a necessidade de preservação (21%), investimento em infraestrutura hídrica já existente (18%) e diversificação das fontes de água, incluindo novas fontes (10%). 

Um exemplo de sucesso na questão hídrica é São José dos Campos, localizada no estado de São Paulo, com posição estratégica na bacia hidrográfica Paraíba do Sul. Além de abastecer a população, a fonte de água ainda abastece o setor industrial e de serviço, sendo um valioso recurso natural para ser cuidado e preservado por meio de ações/políticas públicas que não apenas tenham uma visão atual, mas também a longo prazo. 

A distribuição populacional da cidade evidencia ainda mais os riscos que a escassez hídrica pode apresentar: 97,5% da população da cidade vive em perímetros urbanos. Por outro lado, essa questão traz uma grande oportunidade para projetos em áreas rurais, que beneficiam a cidade como um todo, como projetos em áreas degradadas que levem em conta soluções baseadas na natureza. 

Para isso, o município contou com um projeto piloto chamado Programa Pagamentos por Serviços Ambientais (PSA), visando a provisão de serviços ecossistêmicos, como o abastecimento de água superficial e subterrânea de qualidade. 

Para o projeto, foi selecionada uma área de 293,7 hectares em três propriedades no distrito de São Francisco Xavier, localizada ao norte do município, na bacia do Ribeirão das Couves, tributário do Rio do Peixe. A área é estratégica para a captação de água no reservatório do Jaguari, que abastece não só o perímetro urbano, mas contribui por uma interligação com o reservatório do Atibainha (parte do sistema Cantareira), um dos responsáveis pelo abastecimento da Região Metropolitana de São Paulo. Para a recomposição da paisagem, a restauração convencional (como cercamento e plantio de mudas) foi adotada em 33,2 hectares, com a maior parte dos recursos oriundos por um edital promovido pela Agência da Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul (AGEVAP). Além disso, alguns outros métodos mais conservacionistas e menos onerosos foram adequados para outros 140,91 hectares. 

Os benefícios relatados pela cidade são: Bonificação financeira para produtores que queiram conservar ou restaurar áreas; Educação ambiental para os cidadãos e participação das universidades; Serviços ecossistêmicos como qualidade e quantidade de água superficial ou subterrânea e solos; Indicadores de biodiversidade; sequestro de gases de efeito estufa, como o carbono. 3

As cidades brasileiras se assemelham em algumas questões climáticas e hídricas com as demais cidades da América Latina analisadas. No entanto, considerando suas extensas terras subutilizadas e um grande potencial hídrico, o Brasil se torna um ator chave na implementação de projetos de recuperação de áreas degradadas. Estas poderiam receber bonificações de Programas de Pagamento por Serviços Ambientais, já que seriam utilizadas para garantir diversos serviços ecossistêmicos; por exemplo, provisão de água de qualidade e em quantidade adequada para todos, como São José dos Campos mostrou ser possível.


Andreia Banhe é Gerente-Sênior de cidades, estados e regiões do CDP América Latina


** Hannah Corina é membro da equipe de cidades, estados e regiões do CDP América Latina.