Reforma Tributária pode comprometer investimentos no setor

26/12/2023
Estão em risco, de imediato, R$ 62 milhões em projetos com a iniciativa privada para 2024

Com o relatório da Reforma Tributária aprovado, o setor de saneamento deve perder a inclusão em regimes diferenciados, enquanto atividades financeiras e até mesmo SAFs, dedicadas ao futebol, mantiveram o benefício. “Quem menos tem acesso ao saneamento no Brasil é quem mais precisa do serviço, e esses são os mais prejudicados com a reforma tributária nesses moldes, penalizando o setor”, afirma Percy Soares Neto, diretor executivo da ABCON SINDCON, associação das operadoras de saneamento. A retirada do saneamento dos regimes diferenciados da reforma tributária, como define o texto do relatório do deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), é um desastre para o setor, essencial para a saúde pública, de acordo com a entidade. 

A expectativa é de que os brasileiros tenham um aumento substancial na conta de água – de quase 25% – e os investimentos, que deveriam pelo menos dobrar a cada ano para garantir o serviço a todos, deverão ficar comprometidos. Estão em risco, de imediato, R$ 62 milhões em projetos com a iniciativa privada para 2024, muitos deles incluídos no pipeline do BNDES, beneficiando 32 milhões de pessoas. Metade desse montante, R$ 31,1 bilhões, está previsto para acontecer no Nordeste, em Alagoas, Paraíba, Pernambuco e Sergipe.
 
A avaliação é da ABCON SINDCON prevê que a alíquota a incidir sobre a conta de água seria definida em um segundo momento, por meio de lei complementar, mas o relatório do deputado Aguinaldo Ribeiro retirou o saneamento desse status e estabeleceu que o setor estará sujeito ao IVA (imposto unificado sobre o consumo) padrão, que os especialistas estimam ser fixado em torno de 27,5%. Segundo cálculos da Confederação Nacional da Indústria (CNI), o tratamento diferenciado para o setor de saneamento geraria incremento de apenas 0,1% na alíquota do IBS/CBS frente a um impacto na conta da população de 18% (estimativa ABCON SINDCON). Além disso, os investimentos no setor, que estavam crescendo após a aprovação do novo marco legal do saneamento, sofrerão um abalo enorme e dificilmente o Brasil conseguirá cumprir a sua meta de universalização dos serviços de água e esgoto até 2033. “O relatório do deputado Aguinaldo vai contra tudo o que já se avançou no saneamento nos últimos anos, e acaba com a chance de milhões de brasileiros de ter mais saúde e dignidade a partir do acesso à água na torneira, coleta e tratamento de esgoto”, afirma Percy Soares Neto. “Enquanto isso, setores como os bancos e sociedades anônimas de futebol (SAF´s) permaneceram com o benefício do regime diferenciado”, completa ele.

Um trecho do relatório do senador Eduardo Braga (MDB-AM) traduz o sentimento das empresas de saneamento: “A ausência de um tratamento específico para o setor resultará em redução da capacidade de investimento ou ajuste na conta de água das famílias, o que não aceitamos. Por outro lado, investir em saneamento é investir em saúde”. Para a entidade, “a aprovação da matéria no Senado foi um avanço para o saneamento. Sempre defendemos a neutralidade. Não há porque onerar um setor que convive com déficits históricos de atendimento à população e se estruturou pela primeira vez em décadas, a partir do marco legal do saneamento, para combinar investimentos públicos e privados e alcançar a médio prazo a universalização dos serviços de água e esgoto. A mudança de status que o saneamento alcançou na reforma tributária é um retrocesso”, completa Percy Soares Neto.

Os números do estudo ‘Quem não tem saneamento básico’, feito com base dados do PNADC/IBGE, mostra que, entre as pessoas que não estão conectadas à rede de água, 75,3% vivem com até um salário mínimo. Na parcela mais pobre da população, aproximadamente 20% não estão conectados à rede geral. Em relação a coleta de esgoto, mais de 74% das pessoas que não estão conectadas à rede têm rendimento mensal abaixo de um salário mínimo. Da população que não possui instrução ou nenhum ano de estudo completo, 22,3% e 44,5% estão fora da rede geral de água e de esgoto, respectivamente. Para as pessoas que possuem nível superior completo, esses números são de apenas 6,3% e 15,3%. O nível de atendimento da rede de esgoto para a população autodeclarada preta, parda ou indígena é 14,5% em relação a população autodeclarada como branca. Para atingir a universalização dos serviços até 2033, o Brasil precisa investir R$ 900 bilhões nos próximos dez anos para reverter essa situação.