Desmatamento põe em risco metas do NDC

16/05/2021
A derrubada de floresta na Amazônia contribui para o aumento das emissões no Brasil.

Segundo os participantes do webinário “Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) Brasileira: metas nos setores estratégicos – florestas, agricultura e energia”, realizado pelo Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG) no dia 11 de maio, a derrubada de floresta para conversão em pastagens na Amazônia contribuem para o aumento das emissões de gases de efeito estufa (GEE) no Brasil. Desde 2017, a principal fonte de geração no Brasil desses gases que contribuem para o aquecimento global é o desmatamento no bioma. “Se o desmatamento continuar, todo o esforço para reduzir as emissões de gases de efeito estufa no Brasil será em vão”, disse Eduardo Assad, pesquisador da Embrapa Informática Agropecuária, durante o evento. 

Até 2016, de acordo com dados apresentados por Assad, a agropecuária respondia por 33,2% das emissões de GEE do Brasil e as mudanças de uso da terra, lideradas pelo desmatamento, por 27,1%. A partir de 2017 essa situação mudou e o desmatamento passou a ser a principal fonte de emissões de GEE no país. Em 2019, as mudanças no uso da terra foram responsáveis por 44% das emissões de GEE do Brasil, contra 28% do setor agropecuário, 19% do energético, 5% dos processos industriais e 4% de resíduos. As mudanças no uso da terra também respondem pelo aumento de 23% nas emissões totais de GEE do país.

O desmatamento causou 94% dessas emissões brutas pelas mudanças no uso da terra e a maior parte (87%) ocorreu na Amazônia, apontou Ane Alencar, pesquisadora do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), com base em dados do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG), do Observatório do Clima, publicados no final de 2020. “As emissões de GEE decorrentes do desmatamento na Amazônia vêm subindo nos últimos anos”, afirmou Alencar. E o mais preocupante é que mais de 50% do desmatamento na Amazônia tem ocorrido em terras públicas, compostas por áreas de floresta não destinadas, terras devolutas, unidades de conservação e terras indígenas.

Nos últimos dois anos houve um crescimento de desmatamento, como também de registros de Cadastro Ambiental Rural (CAR) nas áreas de florestas públicas não destinadas, que representam aproximadamente 57 milhões de hectares, equivalente a 14% da extensão do bioma, afirmou a pesquisadora. “O aumento do registro de CAR nessas áreas é um forte indício de grilagem [falsificação de documentos para tomada ilegal de terras devolutas]. A maior parte do desmatamento que ocorre dentro das florestas públicas não destinadas também acontece em áreas de CAR”, disse Ane. 

Para a pesquisadora algumas ações, como fiscalização efetiva, destinar as florestas públicas para conservação e produção florestal sustentável, além do cancelamento do CAR sobrepostas nessas áreas seriam necessárias para combater, pelo menos, metade do desmatamento na Amazônia, que ocorre justamente em terras públicas. Já para proteger os 50% restantes da floresta seria preciso consolidar áreas protegidas e apoiar economias de base florestal, apoiar a conservação de ativos florestais privados com incentivos econômicos e ajudar economicamente e prover assistência técnica para a produção sustentável nos assentamentos.

Na opinião dos pesquisadores, as metas da Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) brasileira estabelecidas em 2015 e revisadas em 2020 para mudanças de uso da terra são muito tímidas em relação à participação do setor nas emissões de GEE do país. A primeira NDC brasileira apresentou a meta de reduzir as emissões de GEE em 37% em 2025 e 43% em 2030 em relação a 2005, o que significaria metas de emissão de 1,38 gigatons de dióxido de carbono (CO2) em 2025 e 1,25 gigatons de CO2 em 2030. “Para ser coerente com os recálculos, a meta de redução de emissões de GEE em 2030 deveria ser de, no mínimo, 55%”, avaliou Assad. 

As metas da NDC brasileira para o setor agropecuário são a restauração, até 2030, de 15 milhões de áreas de pastagem degradadas e o incremento também nesse período de cinco milhões de hectares de sistema integrado de lavoura, pecuária e floresta. Entretanto, estudo do Laboratório de Processamento de Imagens e Geoprocessamento (Lapig), da Universidade Federal de Goiás (UFG), indicam que há 45 milhões de hectares de pastagem severamente degradados e 25 milhões moderadamente no país. “Temos a possibilidade de reduzir quatro vezes mais as áreas de pastagem degradadas no país em comparação com o número acordado na NDC brasileira em 2015”, disse Assad.

O custo da NDC brasileira seria menor se fossem incluídos junto aos setores de agropecuário, energético e florestal, por meio da precificação e o estabelecimento de um mercado de créditos de carbono resultantes de projetos com foco na redução de emissões, indicou estudo realizado por Ângelo Costa Gurgel, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), e em colaboração com outros pesquisadores. “A opção sempre mais barata é estabelecer mercado de troca de permissões, em que todos os setores da economia participam do esforço da redução de emissões de gases de efeito estufa”, afirmou Gurgel.

Os pesquisadores também estimaram que o preço do carbono nesse cenário de mercado amplo seria de US$ 3 por tonelada em 2030. “Se for mantido o atual modelo da NDC brasileira, em que apenas alguns setores da economia precisam fazer algum esforço para redução das emissões, essa política se torna muito cara no longo prazo”, disse Gurgel.

O financiamento da transição para uma economia de baixo carbono representa um desafio global, mas o Brasil apresenta algumas dificuldades particulares nessa questão, disse Annelise Vendramini Felsberg, professora da FGV. “Não há muito espaço fiscal no Brasil para o investimento público pesado na redução de emissões de gases de efeito estufa. Vamos ter que contar muito mais com recursos privados se quisermos avançar nessa agenda”, afirmou. Segundo a pesquisadora, uma das limitações é a preferência de investidores privados por setores de energia e transporte, evitando o florestal, em razão do alto risco e da demora em obter o retorno do investimento, explicou Felsberg. “O Brasil perdeu o grau de investimento e é percebido pelos investidores como um país difícil para se investir. E quando pensamos em restauração e conservação estamos olhando para um horizonte longo, de pelo menos sete anos, o que para o investidor é muito arriscado”, disse. “Se tivéssemos o Código Florestal e os PRAs [Programas de Regularização Ambiental] totalmente implantados nos Estados, metade desses problemas de financiamento seria superada”, estimou a pesquisadora.