RIOS

Apenas 37% permanecem saudáveis

13/05/2019
Um grupo de 34 cientistas do WWF, da McGill University, do Canadá, e de outras instituições, identificou que apenas um terço dos 246 rios mundiais (37%) ainda pode ser considerado um “rio de curso livre” - status de conservação em que mais oferece benefícios ambientais e serviços ecossistêmicos. O estudo foi divulgado pela revista científica Nature. 
 
O estudo é uma compilação de dados desde 2015, onde já foram analisados aproximadamente 12 milhões de km de rios de todo o mundo, construindo o primeiro mapeamento a respeito do local e extensão dos grandes rios de curso livre existentes no planeta. Os pesquisadores constataram que apenas 21 dos 91 grandes rios do mundo com mais de 1 mil km de extensão mantêm uma conexão direta de sua nascente até o mar. Além disso, a maior parte dos rios de curso livre remanescentes estão localizados em regiões específicas, como o Ártico, a Bacia Amazônica e a Bacia do Congo. 
 
O chamado “rio de curso livre” tem funções e serviços ecossistêmicos inalterados por mudanças em sua conectividade (como com a construção de hidrelétricas ou com a exploração mineral) e preservam suas características naturais de vazão, biodiversidade e qualidade de água. Normalmente eles são considerados rios “íntegros” e “saudáveis”. Os rios íntegros têm estoques pesqueiros e promovem a segurança alimentar de milhões de pessoas, além de transportar sedimentos que mantêm os deltas dos rios acima do nível do mar, mitigam os impactos de secas e alagações extremas, evitam a erosão e possibilitam a existência de flora e fauna saudáveis. Segundo os pesquisadores, proteger os rios de curso livre remanescentes é crucial também para manter a biodiversidade dos mesmos.
 
Entre as maiores ameaças estão as hidrelétricas e seus reservatórios, pois podem reduzir drasticamente os diversos benefícios que eles fornecem para as pessoas e a natureza ao redor do globo. O estudo mostra que existem cerca de 60 mil hidrelétricas no mundo e mais 3,7 mil delas estão planejadas ou em construção. Normalmente, elas são planejadas e construídas uma a uma, o que dificulta a avaliação dos impactos acumulados que elas trazem a uma bacia hidrográfica. 
 
Uma das autoras do estudo é a especialista de conservação do WWF-Brasil e Doutora em Ecologia, Paula Hanna Valdujo. “Nós auxiliamos no desenvolvimento de um protocolo para identificar o que seria um rio de curso  livre. Analisamos as cargas de sedimento e poluição para saber se eram excessivas ou não, a existência de hidrelétricas e barramentos e a existência de estradas que interferissem ou não no fluxo dos rios. Nosso conhecimento ajudou a elaborar o modelo que está sendo apresentado”, explicou. Paula comentou ainda que foram identificados poucos rios íntegros e saudáveis também no Brasil. “A maior parte dos nossos rios estão fragmentados ou têm sua vazão regulada por reservatórios de hidrelétricas. Muitos sofrem o impacto do desmatamento e da ocupação de suas margens com pastagens, mineração e plantações, que aumentam a quantidade de poluentes e sedimentos e afetam a qualidade da água e a saúde do ecossistema”, afirmou Paula.
 
O WWF-Brasil tem aplicado este estudo para fazer uma análise mais profunda da bacia Amazônica e da bacia do Alto Paraguai. “Este primeiro estudo é global, então você não consegue entrar muito nos detalhes de cada bacia hidrográfica. O que estamos fazendo agora é um estudo mais focado e que nos permite ver com mais detalhes uma região específica”, explicou Paula. Atualmente, na bacia do Tapajós, na Amazônia, existem mais de 100 projetos hidrelétricos de pequeno ou grande porte, que ameaçam a integridade dos rios e que podem, no futuro, gerar graves consequências às espécies de peixes que se reproduzem nas lagoas que se formam nas margens dos rios e para os peixes que vivem nas corredeiras, além de impedir a migração de espécies importantes para a pesca, que sustenta as comunidades ribeirinhas. 
 
No Alto Paraguai, o problema é a instalação de pequenas centrais hidrelétricas – que ameaçam tanto os rios barrados, em função do isolamento, quanto o regime de inundações do Pantanal, que depende dos pulsos naturais de seca e cheias dos rios. A ausência de avaliações ambientais estratégicas, assim como a transferência da responsabilidade do licenciamento dos órgãos federais para os estaduais, dificulta ainda mais o planejamento adequado para a manutenção dos poucos trechos remanescentes de rios livres no país.